A insegurança dos produtores rurais justifica exceção quanto ao porte de arma


A Lei 10.826, de 23 de dezembro de 2003, conhecida como Estatuto do Desarmamento, proíbe o porte de arma, exceto em condições especiais, previstas no seu artigo 4º, ou seja, para integrantes das Forças Armadas, policiais, guardas-municipais de cidades com mais de 50 mil habitantes, juízes e outros.

A lei veio em boa hora. Sem ela a violência seria maior, principalmente no tráfego urbano, onde os ânimos se acirram pelos motivos mais insignificantes. Portanto, no seu efeito preventivo, a lei citada tem tido um importante papel, evitando muitas mortes inúteis.

No entanto, muitos grupos ou carreiras pretendem entrar no rol dos autorizados a utilizar armas. No entanto, as pretensões têm sido impedidas pelo Congresso Nacional, quiçá temeroso de que, se abrir exceções, a lei acabará perdendo seu objeto. Para ficar em um só exemplo, cita-se o Projeto de Lei 3.722/12, que busca diminuir a idade mínima para ter porte de arma, de 25 para 21 anos.

Um dos Projetos de Lei é o 6717/16, do deputado Afonso Hamm (PP-RS), que “visa permitir o Porte Rural de Arma de Fogo aos proprietários e trabalhadores, maiores de 25 anos, residentes na área rural, e que dependam do emprego de arma de fogo para proporcionar a defesa pessoal, familiar ou de terceiros, assim como, a defesa patrimonial”.[ii] A proposta recebeu um substitutivo do deputado Alberto Fraga (DEM-DF), e foi aprovada dia 8 passado pela Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara dos Deputados.

Mas quais os motivos para a exceção?

Reportagem do jornal O Estado de São Paulo revela que “Dados oficiais do governo de Mato Grosso, maior produtor de grãos do País, mostram uma alta de 60% nos registros de roubos e furtos no campo entre 2014 e 2017”. Em Goiás o aumento foi de 20% e em Minas Gerais ocorrem 139 casos por dia.

O furto de animais, o abigeato dos velhos livros de Direito Penal, é apenas uma parte do problema. As estatísticas, agora, incluem agrotóxicos, cargas agrícolas, equipamentos de irrigação, sementes e as caras máquinas agrícolas.

Os criminosos não são mais aqueles simplórios inimigos do alheio, que entravam noite adentro em uma propriedade rural para levar uma carroça ou um carrinho de mão. Não. Agora são profissionais do crime, planejam o ataque e, fortemente armados, levam com facilidade tudo o que lhes interessa.

Nisto tudo há um interesse econômico nada desprezível, porque o produto do crime é negociado com compradores que pagam um preço bem menor. A título de exemplo, para aqueles que, como eu, vivem nos centros urbanos e nada sabem da vida rural, “O preço da colheitadeira TC5070 está tabelado para o Paraná pelos valores de R$ 250 mil (modelo plataformado, com transmissão mecânica), R$ 270 mil (modelo cabinado, com transmissão mecânica) e R$ 290 mil (modelo cabinado com transmissão hidrostática), que podem ser financiados em até 10 anos com juros de 2% ao ano”.

Portanto, o lucro é compensador, principalmente considerando que a ação não envolve risco algum, já que ao proprietário só resta trancar-se na sua casa ou tentar revidar com um estilingue ou algo parecido.

O dano que tal ação causa vai além do prejuízo sofrido pela vítima. Imagine-se o agrotóxico furtado e vendido a um terceiro, que o usará sem nenhum controle. A perspectiva de grave dano ambiental é quase certa, com reflexos na saúde humana.

Mas não se imagine que as vítimas são apenas ricos proprietários rurais, partindo-se, a partir desta conclusão, para um raciocínio político ideológico. Não, muito longe disto. E, desde logo, registrando que segurança pública não é assunto deste ou daquele grupo político, mas sim de todos. De diferentes formas, no Brasil todos sofrem as consequências do crescimento da violência. E os economicamente menos favorecidos sofrem mais, porque moram em bairros com menor policiamento, para não falar de áreas conflagradas, onde a presença do Estado aproxima-se de zero.

Pois bem, na zona rural não existem apenas grandes propriedades a praticar o agronegócio. Há milhares de pequenos agricultores, sítios, chácaras de recreação, uma enorme quantidade de pessoas que estão, enfim, expostas à ação dos meliantes.

Vejamos um entre os milhares de casos da rotina campestre, sendo este de simples proprietário rural. Em Cabixi, Rondônia, na noite de 8 de maio de 2017, dois homens, em uma motocicleta, pediram a um sitiante uma bomba para encher o pneu. No momento em que foram atendidos, assaltaram-no e “levaram uma motocicleta, a quantia de R$ 1, 5 mil, e um celular”. A banalidade do caso não diminui o sofrimento e a perda das vítimas e mostra bem como o perigo ronda o campo, de sul a norte do Brasil, para ricos e pobres.

Assim, temos uma situação insensata. De um lado, proprietários rurais impedidos de ter arma de fogo para defender-se, expostos totalmente à ação do crime, muitos deles fixando residência na zona urbana da cidade mais próxima. Do outro, ladrões, assaltantes, armados e sabendo que as vítimas não têm como oferecer resistência.

Pois bem, diante desta situação de fato, que dispensa outros comentários, a única conclusão a que se pode chegar é a de que estamos diante de um completo absurdo, digno de figurar na obra do húngaro Martin Esslin que, em 1961, criou o Teatro do Absurdo.

É evidente que a situação é insustentável e que ela precisa ser adequada à realidade. A solução não pode ficar nos extremos dos que moram no campo armarem-se ilegalmente ou ingênuas passeatas de branco, com cartazes pedindo paz. É verdade que já estão sendo criadas patrulhas na área rural e outras iniciativas do tipo. Mas é verdade, também, que estas medidas ajudam, mas jamais cobrirão todos os recantos, desde grandes fazendas no centro-oeste até chácaras nas proximidades de Petrópolis.

A solução que, diga-se de passagem, jamais será perfeita, é alterar a Lei do Desarmamento, permitindo aos proprietários rurais o porte de arma. Claro, com todas as cautelas possíveis, como limitação do uso apenas na área da propriedade. Não fazer nada é, simplesmente, ignorar egoisticamente o problema, por nós, os 80% de brasileiros que vivem em áreas urbanas. Estamos expostos à insegurança, por certo. Ainda que também estejamos à violência, temos a possibilidade de erguer muros, viver em condomínios, pedir socorro aos órgãos de segurança ou a vizinhos.

O Direito, de longa data, usa o brocardo “A interpretação da lei não pode conduzir ao absurdo”. No caso, não há lei a ser interpretada, mas sim lei existente. Mas a máxima do Direito Romano pode, perfeitamente, ser adaptada para “A lei não pode conduzir ao absurdo”. E se ela está sendo absurda, deve incluir mais uma categoria de brasileiros na possibilidade de portar arma de fogo e defender a si próprios, sua família e patrimônio.

FONTE: Conjur

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